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Tôdá. Escrito errado mesmo. Só pra mostrar como se pronuncia o nome do cachorro corretamente. Sim, um cachorro. Um paulistinha, bem elétrico e barulhento. Um cãozinho de pelo malhado, muito querido por ali. Gosta de brincar e de pular e de latir. Reage a qualquer barulho. Então, por ali.... não para de latir um só segundo. O nome do cachorro é uma palavra que significa “obrigado” em hebraico, até prova em contrário. A consulta ao google não é necessária. A série Fauda é melhor para entender o significado do nome do cachorro. Aprende-se alguma coisa e vê-se um material cinematográfico com interessante matéria cultural. A confusão entre árabes, palestinos, judeus e congêneres. Uma confusão dos diabos. Fauda, uma palavra árabe que significa caos, que por sua vez significa desordem ou confusão; comumente usada nas forças secretas israelenses como identificação. Quando usam esse termo, se identificam como judeus israelenses e não árabes. E tudo isso por conta do nome do cachorro. Não. O nome do cachorro foi uma desculpa. O nome do cachorro leva a seu latido que, por sua vez, leva a barulho. E não barulho doméstico, de dentro de casa, de vizinhança, de coisas comuns e sensatas. Não. Barulho da rua. Dos trabalhos da rua. Duas semanas para recapear a rua. Uma barulhada de britadeiras. E Tôdá latindo o dia inteiro. Inexplicável como não ficou afônico. Britadeira e assobios e gritaria e buzinas. Rua movimentada é assim mesmo. O trabalho também parece bastante “sensato”. Começava cedo. E se estendia por todo o dia. Nos horários de mais movimento a confusão aumentava. Meia pista de cada lado da avenida, em intervalos de cem metros, interrompida com aqueles cones alaranjados. Horrorosos. Uma gracinha. Uma prova incontestável para estressados e estressantes. Dois ou três com as britadeiras na mão. Os demais vinte ou trinta andando de lá pra cá. Conversando, fumando, coçando o saco, mexendo no celular. E a balbúrdia instalada. E Tôdá latindo, latindo, latindo. Tudo isso, em vez de fazer o serviço à noite, quando há menos movimento. Não. Não é sensato. O serviço não aparece. Ninguém vê o que está sendo feito. Como a coleta do lixo. Em lugar de se fazer à noite, faz-se durante o dia, durante os horários de grande movimento nas ruas estreitas e esburacadas. Costuradas com remendos de material sem identificação possível. A gritaria dos garis. O caminhão enorme tomando pista e meia da avenida. O motorista desse caminhão dirigindo como se a via pública fosse propriedade dele, e só dele. A gritaria dos garis. As buzinas, E Tôdá latindo estridentemente. As bocas de lobo ajudam na confusão. Primeiro faz-se o asfaltamento, ou melhor, o recapeamento. Depois de tudo pronto, inclusive faixas de sinalização de pista pintadas, abrem buracos para as tampas de bocas de lobo. Companhia de água e esgoto. Companhia telefônica. Centrais de eletricidade e de televisão a cabo. Tudo num buraco só. E a confusão na rua. Os mesmos dois ou três trabalhando. Os mesmos vinte ou trinta fazendo nada. A barulhada das máquinas. As buzinas. E os latidos histéricos de Tôdá. O progresso chegando. As vantagens desse progresso, em velocidade menor e em visibilidade também difícil de explicar chegando. O asfaltamento de grandes avenidas. A interrupção do trânsito em uma das pistas. As cercas. Os tapumes. A sinalização. Os carros buzinando e a confusão aumentada. Os mesmo que fazem lá o que é de conhecimento público, também ali. Tudo em horário de movimento. Depois de tudo asfaltado e sinalizado, os buracos. A confusão. As britadeiras abrindo buracos. A escavadeira arrebentando o asfalto e tirando terra. Os caminhões caçamba parados em diagonal, atrapalhando o trânsito. Trabalhando para o progresso da cidade. Tudo muito sensato. Tudo muito bem planejado. A confusão instalada: marca de alguma coisa que está, de fato, acontecendo. Todo mundo vê. Todo mundo fica sabendo. As obras aparecem porque todo mundo é incomodado por elas. De um jeito ou de outro. A poeira, a confusão no trânsito. O barulho das máquinas e o alarido dos operários. Os latidos de Tôdá. A sensatez que marca o trabalho pelo progresso. O movimento físico que demonstra concretamente o investimento financeiro da administração. A demonstração do trabalho dos edis e da administração municipal. Tudo junto e misturado. No lugar de fazer tudo isso à noite, quando não há movimento de carros. Deixando apenas as britadeiras para a luz do dia. Os ônibus parando e atravancando o trânsito. Lotados. Entupigaitados. Gente enlatada como atum. Calorão. Poeira. O lucro das empresas não pode ser menor. O desgaste dos ônibus não pode ser grande. Muito cara a manutenção. Diminui-se o número de veículos. Acumula-se gente mas paradas. Entopem-se os ônibus e o lucro vem. Líquido, solto, em correnteza de juros e juros. O resto que se dane. E Tôdá não para de latir nunca. Será que vai ficar afônico?