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Foureaux

Espaço para explanação, discussão e expressão...

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Espaço para explanação, discussão e expressão...

28
Jul20

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Foureaux

Tôdá. Escrito errado mesmo. Só pra mostrar como se pronuncia o nome do cachorro corretamente. Sim, um cachorro. Um paulistinha, bem elétrico e barulhento. Um cãozinho de pelo malhado, muito querido por ali. Gosta de brincar e de pular e de latir. Reage a qualquer barulho. Então, por ali.... não para de latir um só segundo. O nome do cachorro é uma palavra que significa “obrigado” em hebraico, até prova em contrário. A consulta ao google não é necessária. A série Fauda é melhor para entender o significado do nome do cachorro. Aprende-se alguma coisa e vê-se um material cinematográfico com interessante matéria cultural. A confusão entre árabes, palestinos, judeus e congêneres. Uma confusão dos diabos. Fauda, uma palavra árabe que significa caos, que por sua vez significa desordem ou confusão; comumente usada nas forças secretas israelenses como identificação. Quando usam esse termo, se identificam como judeus israelenses e não árabes. E tudo isso por conta do nome do cachorro. Não. O nome do cachorro foi uma desculpa. O nome do cachorro leva a seu latido que, por sua vez, leva a barulho. E não barulho doméstico, de dentro de casa, de vizinhança, de coisas comuns e sensatas. Não. Barulho da rua. Dos trabalhos da rua. Duas semanas para recapear a rua. Uma barulhada de britadeiras. E Tôdá latindo o dia inteiro. Inexplicável como não ficou afônico. Britadeira e assobios e gritaria e buzinas. Rua movimentada é assim mesmo. O trabalho também parece bastante “sensato”. Começava cedo. E se estendia por todo o dia. Nos horários de mais movimento a confusão aumentava. Meia pista de cada lado da avenida, em intervalos de cem metros, interrompida com aqueles cones alaranjados. Horrorosos. Uma gracinha. Uma prova incontestável para estressados e estressantes. Dois ou três com as britadeiras na mão. Os demais vinte ou trinta andando de lá pra cá. Conversando, fumando, coçando o saco, mexendo no celular. E a balbúrdia instalada. E Tôdá latindo, latindo, latindo. Tudo isso, em vez de fazer o serviço à noite, quando há menos movimento. Não. Não é sensato. O serviço não aparece. Ninguém vê o que está sendo feito. Como a coleta do lixo. Em lugar de se fazer à noite, faz-se durante o dia, durante os horários de grande movimento nas ruas estreitas e esburacadas. Costuradas com remendos de material sem identificação possível. A gritaria dos garis. O caminhão enorme tomando pista e meia da avenida. O motorista desse caminhão dirigindo como se a via pública fosse propriedade dele, e só dele. A gritaria dos garis. As buzinas, E Tôdá latindo estridentemente. As bocas de lobo ajudam na confusão. Primeiro faz-se o asfaltamento, ou melhor, o recapeamento. Depois de tudo pronto, inclusive faixas de sinalização de pista pintadas, abrem buracos para as tampas de bocas de lobo. Companhia de água e esgoto. Companhia telefônica. Centrais de eletricidade e de televisão a cabo. Tudo num buraco só. E a confusão na rua. Os mesmos dois ou três trabalhando. Os mesmos vinte ou trinta fazendo nada. A barulhada das máquinas. As buzinas. E os latidos histéricos de Tôdá. O progresso chegando. As vantagens desse progresso, em velocidade menor e em visibilidade também difícil de explicar chegando. O asfaltamento de grandes avenidas. A interrupção do trânsito em uma das pistas. As cercas. Os tapumes. A sinalização. Os carros buzinando e a confusão aumentada. Os mesmo que fazem lá o que é de conhecimento público, também ali. Tudo em horário de movimento. Depois de tudo asfaltado e sinalizado, os buracos. A confusão. As britadeiras abrindo buracos. A escavadeira arrebentando o asfalto e tirando terra. Os caminhões caçamba parados em diagonal, atrapalhando o trânsito. Trabalhando para o progresso da cidade. Tudo muito sensato. Tudo muito bem planejado. A confusão instalada: marca de alguma coisa que está, de fato, acontecendo. Todo mundo vê. Todo mundo fica sabendo. As obras aparecem porque todo mundo é incomodado por elas. De um jeito ou de outro. A poeira, a confusão no trânsito. O barulho das máquinas e o alarido dos operários. Os latidos de Tôdá. A sensatez que marca o trabalho pelo progresso. O movimento físico que demonstra concretamente o investimento financeiro da administração. A demonstração do trabalho dos edis e da administração municipal. Tudo junto e misturado. No lugar de fazer tudo isso à noite, quando não há movimento de carros. Deixando apenas as britadeiras para a luz do dia. Os ônibus parando e atravancando o trânsito. Lotados. Entupigaitados. Gente enlatada como atum. Calorão. Poeira. O lucro das empresas não pode ser menor. O desgaste dos ônibus não pode ser grande. Muito cara a manutenção. Diminui-se o número de veículos. Acumula-se gente mas paradas. Entopem-se os ônibus e o lucro vem. Líquido, solto, em correnteza de juros e juros. O resto que se dane. E Tôdá não para de latir nunca. Será que vai ficar afônico?

28
Jul20

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Foureaux

Só dezesseis. Isso. Era esse mesmo o nome. Só dezesseis. Uma casa de dois andares. Linhas retas. Bege. No meio de um bosque num dos bairros mais sofisticados da cidade. A vista era linda. A casa de dois andares. Em cima, a residência. Embaixo, o restaurante. Só dezesseis. Era esse o nome. Durou pouco tempo. Eram quatro mesas no salão que, de fato, era uma varanda. A vista da cidade era linda. No segundo andar, a residência não era luxuosa. Comparada com outras, poder-se-ia chamá-la de uma cela beneditina. Tudo muito claro, amplo, sem muitas bugigangas aqui e ali. Uma casa “muderna”. O dono gostava assim. Ele a chamava assim. Depois do trabalho, no restaurante, no andar de baixo, subia e descansava. Só trabalhava de terça a quinta, sob reserva. Só dezesseis. Quatro mesas de quatro lugares no salão. Todas com vistas para a cidade lá embaixo. Um primor. Dois garçons para cada mesa. Um maître, uma recepcionista e um sommelier. Tudo muito organizado. O ambiente climatizado era absolutamente isolado acusticamente. A casa ficava num bairro residencial. Qualquer barulho levantaria suspeita e traria confusão. Mesas grandes, cadeiras grandes. Uma saleta de espera muito elegante e confortável. Música de um piano num nicho de parede, do lado oposto às janelas. Na verdade, uma parede de vidro. A parede inteira. As quatro mesas tinham a mesma visão. O movimento da recepcionista e do maître até parecia coreografado de tão sincronizado. Tudo muito bem ensaiado. Rigor máximo no sorriso, na amabilidade. Sem exageros, nem preferências. Só dezesseis. Era o nome do ugar. Por conta do número de comensais. Nada mais. “Ops... uma rima”! As toalhas de tecido sedoso e encorpado, bege. Os talheres de prata wolff90. Copos de cristal. Demais adereços de colorido discreto e harmônico. Iluminação indireta, em nichos embutidos entre as paredes e o teto. Nada que incomodasse os olhos. As quatro mesas dispostas em linha reta, diante do janelão de vidro. No inverno, vidros fechados e ambiente climatizado. Nas noites de verão, quando muito quente, ambiente climatizado. Nas outras noites, janelão aberto. Os perfumes da mata a coroar o serviço de dezesseis pratos combináveis. Duas carnes bovinas, duas suínas. Dois peixes e duas aves. Dois tipos de arroz. Duas opções de salada, duas de molho. Dois tipos de acompanhamento. Nada além disso. A combinação fica por conta do comensal. A carta de vinhos tinha quatro rótulos de quatro países diferentes: Espanha, Portugal, Argentina e África do sul. Quatro sobremesa intercambiáveis. Café e chá. Quatro licores. A matemática, obsessão do dono do restaurante, imperava, conspícua e definitiva. Tudo funcionando à perfeição, O cliente faz a reserva. Chega e já recebe água – que não é cobrada. Daí vinha o garçom com o menu. Anotava os pedidos. O sommelier aparece com a carta de vinhos. Depois da refeição a garçonete trazia as sobremesas e os licores. Ao final da repimpada tertúlia gastronômica, o maître voltava à ação com a conta. Discreto. Elegante. Como no começo da noite. O dono do restaurante, um estrangeiro abrasileirado, era o cozinheiro. Ou, o chef, como se costuma dizer. Depois de recolhidos os pedidos pelos comensais, costumava dar uma volta pelo salão a trocar sorrisos e mesuras com os comensais. Se havia dúvidas, explicava. Em dias especiais, absolutamente inesperados – dependia do humor dele, dizia o maître em inconfidência sigilosa –, convidava os comensais a ver a preparação de seus pratos. Era mais comum acontecer em dias com menos de dezesseis clientes. Casa cheia, ele apenas passeava pelo salão, mesuras e sorrisos. Conversava com os clientes, sorrisos e mesuras. Agradecia e se retirava para o comando da cozinha com um time de quatro profissionais. Um para as carnes,  peixes e aves. Outro para as sobremesas. Um para os acompanhamentos. Um para o café e o chá. Equipe enxuta, quase monástica. Disciplina japonesa. Limpeza hospitalar, cirúrgica. Inacreditável saírem partos daquele laboratório asseado. Tudo muito harmonizado. No salão, não havia diferença no rigor do trabalho da recepcionista, do casal de garçons e do maître. Impossível não dar certo. As primeiras semanas e o sucesso anunciado. Propaganda boca a boca e o desejo de vencer as dificuldades circunstanciais. Sem absoluta certeza de nada. Os moradores do bairro não reclamavam. Não havia grande movimentação. A comida era apreciada. Os vinhos e sobremesas degustados com prazer. Os elogios à equipe e ao serviço não podiam ser melhores. Tudo caminhando. Só dezesseis recebendo número interessante de convivas a cada semana. Amigos visitando o local. Nada de celebridades. Nada de balbúrdia. Tudo correndo bem. Até que um dia, antes de abrir, um dos garçons derramou vinho sobre uma mesa. Um chilique. Todo mundo dispensado. Só dezesseis agora é zero.

21
Jul20

Trecho

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Hoje, resolvi publicar um trecho inicial da ficção que estou concluindo e que vai ser publicada em breve, assim espero...

 

"No diário que manteve e que, até prova em contrário, permanece inédito, há algumas observações pessoais que ajudam a elucidar um pouco o emaranhado de invenções que cercam a morte de Braulio Bras. Ao contrário desta morte, que nunca foi objeto de investigação, o acidente de que se tem notícia foi alvo de inquérito policial. Numa tarde de agosto, um domingo, Braulio Bras havia deixado São Paulo, pela via Dutra, em direção ao Rio de Janeiro no Opala dirigido por seu motorista particular. Por volta das 18 horas, já perto de Resende, de acordo com o boletim de ocorrência da polícia rodoviária federal, o carro se desgovernou, cruzou a pista e bateu de frente numa carreta FNM que vinha em sentido contrário. Desde este acidente muitas controvérsias foram criadas e espalhadas. A dúvida, mesmo com conclusão contrária da polícia, permanece sobre a possibilidade de atentado. Mas quem desejaria a morte de Braulio Bras? Muita gente ainda se pergunta sobre a real conclusão deste incidente.

 

Cabe aqui uma digressão. Por que fazer contar do relatório de investigação do espólio de Braulio Bras: observações acerca de fatos históricos tão emblemáticos, quanto fantasiosos, para não dizer mágicos? Numa das reuniões da comissão, falamos sobre isso. Discutimos a pertinência ou não da inclusão desse material.

 

Partindo do pressuposto de que a História como conhecimento é sempre uma representação do passado e que toda fonte documental para produzir esse conhecimento também o é, nada impede de pensar que existem relações insondáveis entre a História e as histórias que sobre ela, ou a partir dela, se contam. Por exemplo, o que acontece aqui: a atenção sobre diversos tipos de textos para pensar sua escrita, linguagem e leitura. Pensando que as narrativas que se criam a partir de eventos aparentemente desconexos – como é bem o caso aqui –, não se pode deixar de notar a representação acerca da realidade, dado que a escrita, a linguagem e a leitura são indivisíveis e estão contidas no texto, que é uma instância intermediária entre quem escreve e quem lê, mediado, factualmente, pela personagem do relato, ainda que muda. Há uma tríade a considerar na elaboração do conhecimento histórico, composta pela escrita, o texto e a leitura. No que se refere à instância da escrita ou da produção do texto, o relator se volta para saber sobre quem fala, de onde fala e que linguagem usa. Já ao enfocar o texto em si, o que se fala e como se fala são questões indispensáveis. Assim, “contextualizar” é indispensável para elucidar o lugar em que foi produzido, seu estilo, sua linguagem, a história do autor, a sociedade que envolve e penetra o escritor e seu texto. A época, a sociedade, o ambiente social e cultural, as instituições, os campos sociais, as redes que estabelece com outros textos, as regras de uma determinada prática discursiva ou literária, as características do gênero de escrita que se inscreve no texto, são questões que permeiam o texto escrito e constrangem o autor de um texto, deixando nele suas marcas. Tudo isso, por óbvio, escapa de qualquer investigação preliminar. Se o cuidado de quem lê não age em acordo com o rumo da investigação, os possíveis liames explicativos se perdem. Neste caso, as controvérsias tomam cona. No caso de Braulio Bras, parece ser esta a situação, até prova em contrário. Aqui não se pode deixar de lado o axioma de que é necessário ter por principal objetivo identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade cultural é construída, pensada, dada a ler. As representações do mundo social, como práticas intelectuais, dentre elas, as ficcionais, como as literárias, são sempre marcadas por múltiplos, complexos e diferenciados interesses sociais, sobretudo, aqueles dos grupos sociais que as forjam. Daí, ser necessário relacionar os discursos proferidos com a posição social de quem os produz e de quem os utiliza, visto que as percepções do social não são neutras; produzem e revelam estratégias e práticas que tendem a impor uma autoridade, uma hierarquia, um projeto, uma escolha (CHARTIER)."

21
Jul20

24

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Quinhentos e oitenta e sete quilômetros. A distância entre dois sonhos atravessados pelo tempo. Uma estrada longa para o compêndio de experiências que se acumulam e se revisitam e se repetem. A percepção é outra, mas se repetem. Duas capitais. Duas cidades. E o projeto de voltar  a um passado não esquecido, postergado. As vicissitudes que a vida não deixou de impor em mais de setenta anos. A tia e o sobrinho já prontos para a saga. Mais de nove horas. A rodoviária e seu movimento corriqueiro. Seu cheiro de queimado e estragado, numa mistura de dejetos industriais que movem de tudo. Muita gente e a falação de sempre. O vozerio que se confunde com o eco da voz nos alto-falantes, anunciado, a cada quinze minutos, as chegadas e partias. A tia e o sobrinho na plataforma. A espera do autocarro que vai levar mais de nove horas até o destino que aguarda. Chegadas e partidas: dois pontos de uma mesma viagem (como já disseram). O ônibus (poderia ser um trem) é outro, mas a estrada é a mesma. O caminho é o mesmo. E a dúvida: por que no céu a experiência é outra e não se identifica com esta? O vozerio e a apreensão do que pode acontecer. A animação da tia. A balbúrdia do embarque. As pessoas gritando e o arrastar das malas. A cara barbada do homem que fala sem parar. A tia tenta responder. “Os anjos do exército celeste vão brigar por você”. A pergunta da tia. O vozerio e o homem barbado falando sem parar. Não olhar para ele. Esta seria a chave de tudo. Não olhar para ele. “A guerra dos mundos não tem fim. Os homens vão morrer”. A cara de desconfiada da tia. O homem barbado falando sem parar. Não olhar para ele. O homem continua falando. A fila anda. O motorista observa atônito. O auxiliar empurra as malas para dentro do bagageiro. O vozerio. A gritaria. E a voz do homem barbado se sobrepondo sem ninguém para responder. O rodar monótono dos pneus no calor do asfalto. As horas que passam lentas. A letargia comunitária daquele autocarro. Empresa famosa, tradicional. Bancos forrados com imitação de couro vermelho. Flecha de prata. A estrada que corre embaixo dos pneus. O calor. O homem barbado que volta a falar. Silêncio abissal. “O fogo dos exércitos celestes”. A tarde de sol e os sonhos. As conversas em voz baixa. O barulho do motor e das rodas sobre o asfalto quente. O ar que entra pelas janelas. A parada do lanche. E o homem barbado continua em sua cantilena. “A guerra não tem fim para a humanidade. O exército celeste vencerá”. Ninguém dá confiança. O vozeiro da lanchonete. A vendedora atônita. Três ônibus parados ao mesmo tempo. O cheiro de água sanitária misturado ao cheiro de desinfetante. Banheiro público. Sem papel higiênico. Sem descarga. O cheiro ácido e o vozeiro no balcão. Misto quente engordurado. Suco de laranja passada. O vozerio. O calor. “As armas do diabo não vencerão a força do céu”. O vozerio e o calor aumentam com a chamada para o reembarque. Continua a saga. As conversas. Os risos. O vento que entra pela janela e a conversa sem fim do homem barbado. O motorista não presta atenção. Ninguém presta atenção. Tapinha nas costas do motorista. Do melhor lugar – primeira fila atrás do motorista – a visão da estrada a engolir o tempo sobre o asfalto quente. Barulho do motor e das rodas no asfalto. O tapinha nas costas do motorista. O silêncio. O barulho do motor. “Não adianta lutar contra as forças celestes. O exército dos anjos vai descer. O fogo dos céus vai destruir os homens maus. O pecado não vencerá. Os anjos acompanham o exército do senhor”. O ar quente entrando pela janela. O silêncio. O motorista imóvel em seu domínio da direção do ônibus. Autocarro é tão mais imponente. Ninguém responde Ninguém interage. A chegada. O vozerio da estação. O arrastar de malas. A gritaria. “O exército...”. Não olha, tia. A voz se perde na multidão agitada. As malas carregadas para o taxi. O hotel fica perto do centro. A balbúrdia. O riso safado do motorista de ônibus comentando a viagem com o colega. O alarido de crianças correndo para receber o pai que chega de viagem. A confusão. O calor. A voz do homem barbado já não se ouve. A barulhada da estação não deixa. Cada centímetro de espaço disputado pelos afoitos passageiros atrás de suas malas. O alarido, a confusão. A gritaria e o calor. O taxi para o hotel. A chegada. A visita que vai remontar ao passado. Sem o homem barbado para incomodar. Só não olhar para ele. O ar quente que entra pela janela do taxi. A tia que não gosta de ar condicionado. O barulho da cidade. Os prédios altos. O encontro com o passado que demorou anos. A saga que se repete agora de capital a capital. O telefonema e o convite. O taxi que corre num trânsito carregado e barulhento. Mais calor entrando pela janela com o ar quente. O rádio com a notícia da morte do presidente estrangeiro. A chegada. Mais um encontro.

13
Jul20

23

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A delicadeza do arranjo de frutas na mesma de café da manhã. Uma imagem inadequada para o percurso que chegou ao ponto que chegou. Cada gomo de mexerica devidamente limpo daqueles fiapos brancos. Cirurgicamente limpos. Sua disposição entremeada com uvas passas criou a ilusão de girassóis visitados por abelhas. Uma pequena cumbuca, não mito funda. e os girassóis feitos de gomos de mexerica e uvas passas. O contraste com o vermelho do queijo do reino. A toalha rebordada, em estamparia rococó. compunha com a guarnição de café, uma delicadeza a mais. No alto daquele prédio do Itaim. Visita há muito esperada, era de se supor. Requinte delicado daquela mesa de café da manhã  e o absoluto contraste com a história que se arrastou até aquele ponto. As ruas de Vila Mariana. A Igreja do Socorro. A lanchonete árabe: quibes fritos, tahine, homus tahine, guaraná gelado. Mais uma rua que se perde na memória das idas e vindas. De cá pra lá. Sempre que possível. As árvores da Vila Mariana. O centro cultural, a avenida larga e movimentada. O sanduíche mais tradicional da cidade. A vista do alto do prédio do Itaim. A conclusão de um percurso. O sofá branco, imponente, apertado na saleta diante do projeto de varanda. Como de hábito em construções daquele naipe. O sofá branco. A travessia do tempo, dos espaço. das histórias. Paulista, Santo Amaro, Vila Mariana, O sofá branco e as noites mal dormidas ou os sonhos abortados. Tantas histórias. Em nada e por nada combinavam com a cumbuquinha enfeitada com gomos de mexerica entremeados com uvas passas. Girassóis dissimulados. Como parecia simulada a aceitação, a trégua. O primeiro sinal. Viva Mariana O sofá branco diante do armário, divisória, do minúsculo apartamento. Cedinho, ainda de manhãzinha, mudar para a cama. O sofá branco livre do peso dos sonhos repetidos. O ciúme. O branco do sofá contra o ciúme doentio. A festa de inauguração. O bar lotado. Holofotes, escadas magirus, dente falando e gritando no frio que fazia todo mundo encapotar-se. A festa. O dissabor da festa abortada pelo ciúme. A cena na frente do prédio. Os gritos. O constrangimento. Não acontecia nada. Não havia nada. A impossibilidade de aceitar a amizade, profunda e afetuosa. Só isso. Bater o pé no chão. Fazer careta. Gritar. Xingar. O arroubo de ciúmes tarde da noite. O primeiro passo. O sofá branco na Santo Amaro. Não mais a divisória. Outro apertado apartamento. O mau cheiro. A raiva. As lembranças de Vila Mariana. O tráfego que gritava e zunia, noite e dia, sem direito a rima de consolação. O sofá branco acumulando lembranças. Quarenta anos. A passagem entre o sul e o leste. A parada. O sítio. As fotos de Santo Amaro da Purificação. A festa da cinquentenária. A confissão do arranjo para ir à festa. O dia de sábado como presente de aniversário. Mudança de comportamento. A docilidade e os sorriso. Mais gente a conhecer. Mais amizades prováveis. O contrário de tudo o que se conhecia até ali. A surpresas. Quarenta apitos ao mesmo tempo, todos cor de rosa, todos imitando una boquita pintada. Quarenta anos. O bolo enorme com a bailarina vestindo um tutu cor de rosa ao lado do Bambi. Os laços de fita cor de rosa. Os balões cor de rosa. Quarenta velas acesas e os apitos a gritar até o parabéns pra você. Que surpresa. O segundo passo. A passagem dos anos. O mesmo senso de desconfiança e a simpatia forçada, o sorriso ensaiado, a educação de manual de pedagogia. Tudo falso. Os anos. A amizade. O carinho O apartamento do Itaim. A visita. O gnocchi do dia 29. O sofá branco de frente para o projeto de varanda. O compêndio da memória do tempo que passa. Lugar comum. A tarde de trabalho com o telefone tocando intermitentemente. O ciúme. Duas garrafas de vinho. A massa que não secava. As risadas altas na cozinha. Cara feia. Muxoxo. Sangue nos olhos (?). A massa do gnocchi que não dava ponto. O choro. As lembranças. Mais uma garrafa de vinho. Os convidados chegando no doce toque da amizade celebrada. As lembranças trocadas. Os percursos desde a Paulista, pela Vila Mariana, na Santo Amaro. O apartamento do Itaim apertado para tanto afeto. Os amigos. Os sorriso. Os brindes. Do outro lado do sofá branco a cara feia, o muxoxo, o ciúme entre os dentes do melhor amigo, do outro lado. A massa pronta. Os brindes. Os elogios. Do outro lado, a recusa do prato “Está sem tempero. Também, com aquela bebedeira”. Silêncio na pequena sala. O vinho e os brindes. As risadas dos amigos e os brindes. A massa que se esgotou na travessa. Sucesso. O sofá branco como testemunha de mais uma tertúlia. Itaim. Doa alto do prédio. A cidade enevoada, também pelo sereno acompanhado dos miasmas do vinho. O tempo que passa. Tanta história. E o sofá branco silente. Incompreensível aquela mesa de café da manhã. Gomos de mexerica simulando visitas de abelhas. Uma doçura que não se perdeu com o tempo. Ainda que inexplicavelmente.

08
Jul20

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Lili. Já vai longe a memória de Lili. Um cometa. Apareceu, passou e sumiu no céu do esquecimento. Lili, a arquiteta. Lili que recebia bem. Apartamento pequeno. A decoração depois da reforma: expressão do talento arquitetônico de Lili, Lili, arquiteta do serviço público. O apartamento pequeno, aconchegante. Os talheres de prata, a baixela de porcelana, os guardanapos de linho. Lili solteira, filha única. “Se eu tenho, vou usar. Pra que guardar? Não tenho filhos. Não vou deixar pra ninguém. Então eu uso, de segunda a segunda. Sem essa de ocasião especial. Uso comigo mesmo”. Lili e seu noivo. O robusto noivo de Lili. Seu companheiro de uísque. Lili só bebe uísque. Nada mais. Uísque e, nos intervalos e depois, na ressaca, água. Só bebe uísque. O noivo de Lili e seu olho de peixe morto. Sua boca carnuda. O robusto noivo de Lili. “Ele quer fazer a três. Pediu ora convidar você.” O noivo de Lili, sensual e sem vergonha. Bebedor de uísque. Os almoços na casa de Lili e seu noivo. Sempre a três, menos na cama. Lili durante a semana e nos sábados. Sábados ou domingos. Já vai longe a história de Lili. Já sem clareza, Lili, sábado ou domingo. Lili e seu amigo de final de semana. Qual era mesmo o nome dele? Feio. Magrelo e cabeludo. Dentes estragados, fumante inveterado, bebedor de cerveja. Amigo de Lili. Amigo do noivo de Lili. Lili, o noivo e o amigo. Os finais de semana na casa do Hamilton. Tardes memoráveis. Cerveja e uísque. Lili só bebe uísque. Cerveja, música alta, a piscina rebrilhante e imensa na casa de Hamilton. Os finais de semana na casa de Hamilton. O secretário do ministro Hamilton escrevia os discursos. Hamilton cuidava da agenda particular. Hamilton sabia de coisas. Hamilton, o assessor. A casa de Hamilton era imensa. Os finais de semana com Hamilton, inesquecíveis. A manhã de domingo (ou de sábado, tanto faz). A piscina resplandecente. A cerveja. A música que começa a tocar. As gargalhadas. Cerveja, piscina, música e sonhos. Muitos sonhos. Fantasias e imaginação nas tardes de final de semana na cassa de Hamilton. Hamilton e seus homens. Os recos. Cada um mais bonito que o outro. O pelotão especial. Havia um nome específico. Seleção rigorosa. Altura, peso, instrução, capacidade física. Principalmente altura. Escolhidos a dedo os da guarda especial. Hamilton conhecia bem. Nas tardes à piscina, um amigo de Hamilton. De manhã cedo, a música tocando, a cerveja gelada e as gargalhadas. Silêncio. Um homem aparece. Lento. Ciente de sua beleza, de seu fascínio, do impacto de seu corpo escultural. “Bom dia!”. O sorriso ensaiado. O assanhamento do amigo de Lili. Nada mais parecia acontecer na face da terra. O paraíso à beira de uma piscina numa casa perto do lago. Ah, a guarda especial. Amigo de Hamilton. Meu Deus, que pernas. O sorrisinho ensaiado e dissimulado. Os olhos verdes piscando. a toalha enrolada. Alguns passos. Um suspiro de tédio. A toalha que vai caindo devagar. Meu Deus, as pernas do amigo do Hamilton. Tardes de domingo regadas a cerveja e a fantasia. A música alta. Os comentários sussurrados. A toalha que cai e o silêncio. Um suspiro suspenso no ar, sobre a piscina. O barulho da água espirrando em todo mundo. A alegria das tardes domingueiras ou de sábado na casa de Hamilton. O impacto da chegada aquele reco, Meu Deus, que pernas. Hamilton chega em seu roupão branco. Alinhado. Cabelo penteado. Barba feita. Óculos escuros. Vivacidade, energia e sensação de poder. Hamilton sabia escolher. Escrevia discursos, a agenda particular do ministro. A guarda especial que visitava sua casa. Hamilton chega e se senta. Muito seguro de seu poder, de seu bom gosto. Olha para o reco com ar de posse, de domínio. Ao mesmo tempo vira os olhos para os amigos do outro lado da piscina. As pernas do amigo de Hamilton. Os braços. Os olhos verdes que fascinavam e seduziam. Hamilton sabia. Fazia de propósito. Conversava ao pé do ouvido. Sorrisos dissimulados. De vez em quando uma gargalhada. A cerveja e o uísque de Lili. Lili e seu amigo. A turma às gargalhadas. O barulho da piscina a espirrar água. Os braços do reco fortes e vigorosos. A língua parecia uma cobra. Beijo na piscina. Ai meu Deus, as pernas dele. O contato das pernas dele na piscina. Água de fervia no calor do prazer de abraçar e beijar o amigo de Hamilton. As gargalhadas. Os sussurros. A boca enorme do amigo do Hamilton gemendo, lambendo, beijando. Ai, meu Deus, aquelas pernas enroscadas, apertando. A piscina em revolução. O sol do planalto a riscar a pele de todo mundo. O dourado da cabeça raspada do amigo e Hamilton, Meu Deus, que pernas. Lili e seus amigos. Lili, a arquiteta. as tardes de domingo. A piscina. O reco. As lembranças de Lili e seu apartamento, baixela de louça, guarnição de prata, copos de cristal, guardanapos de linho. O noivo de Lili. O reco. Meu Deus, que pernas.

04
Jul20

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Foureaux

Os ecos da colônia: passos empoeirados no lajedo – mistura de pedra sabão e pedra são Tomé – guarda de uma História que jamais vai ser contada. as palavras trocadas entre as paredes caiadas. O pranto silente que evanesce em vapor do espírito e sobe. O teto com ferro de esteira absorve, mudo, o passar das dúvidas e dos arroubos. Portas e postigos de janela em azul colonial. Ainda que com vários vidros quebrados. testemunho da passagem do último síndico que atendeu pela alcunha de diretor. As peias de aranha nos cantos. O cheiro de mofo. as luminárias pendentes, Contraste absurdo que, em nome do absurdo, testemunham o nada que modifica cada segundo ali passado. O frio. O vento encanado. Paredes que não se encontram com o teto, mediação das esteiras. Centenárias. Paredes incompletas. Tudo se ouve, a não ser o sussurrado. Os sussurros da maga patalógica. Sussurro de mestre. Não. Sussurro doutoral. Os óculos na ponta do nariz. Os cabelos enormes, esbranquiçados, desgrenhados. Como os daquela cantora antes do show. Mas sem o talento. A mesma compleição física, mas sem o talento. O sussurro que vinha da boca de chupar ovo. Para não ser deselegante. Ovo. Os sussurros e o olhar matreiro de quem sempre tira o seu da reta. O sorrisinho falso, longe da Gioconda. Os arranjos. Os sussurros. Os formulários e a verborreia jurídica. A predisposição para a guarda dos direitos de classe. Uma história mal contada. A inexplicável mudança de uma “casa” para outra. A chegada no porto dos tempos. Sobre o lajedo – mistura de pedra sabão e pedra são Tomé. Os passos escorregadios das atitudes questionáveis. O sorrisinho matreiro Os formulários.  preciso preencher corretamente os formulários. É preciso anexas os comprovantes. É preciso levar até lá. O departamento não tem secretária. Eu não posso fazer tudo. O malote não é confiável. Já há denúncias de desvio de documentos. Cada um faz o seu. O sorrisinho falso. A insistência em chamar a progressão de concurso. estupidez? Veneno concentrado. Os passinhos no lajedo frio. Os corredores que não se ligam, ao teto. A insistência na burocracia Sempre colocando os outros em situações vexatórias, impopulares, ilegais. O pedido de doação aos “ocupantes”. A necessidade de se solidarizar com o corpo docente. O discurso encomendado entre os olhinhos fingidos e o sorrisinho matreiro. O sotaque execrável. A boca de chupar ovo. Be,... ovo, que seja. Os documentos. “Que merda. Não vou fazer porra nenhuma. O que essa mulher zinha quer. Vai encher o saco do bispo. Que merda!”. A dúvida do colega. A mulher que foi eleita pelos pares. A tiranete de cabelos desgrenhados. O sorrisinho falso no cumprimento pela titularidade. Os cabelos desgrenhados passeando pelos corredores frios e empoeirados. As paredes escutando. Os berros. A cara de sonsa. E no outro dia a exaltação. “O departamento não tem dinheiro”. A defesa dos “pobres estudantes”. Café com os ocupantes. Sorrisos e piadas. Gargalhadas. Os cabelos desgrenhados. Os gritos histéricos ao comunicar a carta alheia. A braveza. O surto de tirania. Os cabelos desgrenhados balançando aos gestos bruscos. Os óculos na boca do nariz. A cara de sonsa durante o despautério. “Tá achando que preciso desse dinheiro. Caguei pra esse dinheiro. quer que preencha todos os quadradinhos. Eu faço. Pronto. Não enche o saco”. As mãozinhas postas como criança assustada. A boca de chupar ovo e os cabelos desgrenhados. O silêncio nos passos frios na volta do gabinete. Os sussurros. O papel preenchido. Completo. Todos os quadradinhos. O sorrisinho de alegria e contentamento. A insistência em chamar de concurso ao processo de progressão. O dedo em riste. Os cabelos amarrados na nuca e os óculos na ponta do nariz. Maga patalógica. E a tirania que se sobrepunha ao silêncio dos ambientes forrados de esteira. as portas batendo. Os sussurros. O lajedo frio e empoeirado a testemunhar os desmandos, as falsidades, as tramas e os subterfúgios. A falta de talento. O cabelo desgrenhado. Os formulários. “Você tem que dizer o que está fazendo nos horários vagos. Não pode deixar em branco. É exigência da administração”. A falsa subserviência. O ar de vítima com olhinhos matreiros e sorrisinho falso. As mãos postas no colo. Saiu num pulo. Um corisco no escuro dos corredores fios, por sobre o lajedo empoeirado. O susto do colega. “Essa vaca que vocês elegeram. Vaca”. As paredes que escutam. O bater de portas. Cadeiras arrastadas. Portas batidas O lajedo empoeirado e frio. Claro que chegou a seus ouvidos. “Eu não votei nela!). Gritos. Portas batendo. A lembrança das gargalhadas com os ocupantes. A cara de séria ao falar dos direitos de classe. O ar melancólico de quem finge subserviência e exploração. O acúmulo de trabalho no discurso carregados de chavões. Lugar comum. O vento que passeia pelas paredes brancas que não encontram o teto. O forro de esteira. O lajedo frio e empoeirado. Acabou.

02
Jul20

Pastiche

Foureaux

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Cuide da entrada. Da expressão facial na entrada. Este detalhe é crucial. Dele depende o desenrolar de reações a seu desempenho público. Sobrancelhas arqueadas (O plural serve para dizer que há pessoas que conseguem fazer isso com as duas...). Não muito, para não parecer desdém absoluto; nem tão pouco que possa expressar o tédio visceral de estar ali prestes a dizer o óbvio. O caminhar é lento, corpo ereto e ombros arqueados, não demais: pode parecer imposição de vontade. Sente-se confortavelmente. Olhe o interlocutor nos olhos e quando responder a alguma pergunta, dirija-se alternadamente entre o locutor e a plateia. Se olhar sempre para a mesma direção na plateia, pode conseguir um pouco mais de auto confiança. O grupo de pessoas na área apontada pela direção de seu olhar pode se sentir superior, importante, eleita. Isso ajuda. O risco existe do contrário, de você angaria apenas a antipatia geral pelo mesmo motivo. É risco. Não há regra a priori. Responda a todas as perguntas. Absolutamente todas. Jamais interrompa que se dirige a você. Jamais! Ao falar, se for interrompido, cruze os braços cobre as pernas, olhe fixamente para os olhos do interveniente ocasional e faça um sorriso dissimulado. Entre a Gioconda e as personagens de Carlitos em cenas “românticas”. Nada mais, nada menos. Não diga nada. faça apenas isso e pronto. Você acaba de colocar o inconveniente em seu devido lugar. Depois disso, volte a falar. Repita a mesma ação quantas vezes for necessário. É costume conseguir calar os inconvenientes que vão, no máximo, continuar resmungando pelos cantos. Ao final, vão falar mal de você. mas isso não interessa. ao comentar alguma coisa e tiver necessidade de alguma “referência”, procure ser imparcial e magnânimo. Amplie o horizonte referencial privilegiando, no mínimo, uma mulher, um negro, um estrangeiro (de preferência austríaco, alemão, francês ou judeu). Isso vai dar a impressão de que seu pensamento é plural e multifacetado. A palavra correta aqui seria multicultural, mas ô preguiça... Ah, se for falar numa universidade muito “muderna” não deixe de expressar simpatia pelas minorias, de qualquer categoria. Isso é muito bom para enfiar a dose certa de politicamente correto discursivo à sua performance (com sotaque londrino, por favor). Se o assunto é gênero, faça referência positiva à sigla incomensurável e elásticas, aquela das letrinhas seguidas de “+”. Não coloco aqui a sequência pois, a cada dia, inventam mais uma, sob o “argumento” de inclusão social... Há quem acredite nisso”. Se for falar de um livro seu e ele for fino (os parâmetros também variam, muito, de acordo com os mais diversos “protocolos”. Pense com o senso comum e imagine que seu livro é fino e pronto. Já está! Neste caso, diga que levou muito a terminá-lo. Fale das inúmeras revisões e cortes e substituições de termos e expressões, das idas e vindas entre você e o editor. Isso dá um charme danado e ajuda um monte na venda de seu livro, mesmo que ele seja uma bosta. No caso contrário, não acentue tanto as revisões e repetições e refazimentos. Dê preferência ao tempo e direcione seu raciocínio para a ideia de que aquele livro (o grossão) é a expressão mais acabado de seu “itinerário intelectual de formação”. Use, literalmente, essa expressão e mude o tom de voz para algo mais solene, mais pomposo, pausado, com sílabas bem articuladas. Todos os esses e erres, mas não demore demais. Se falar lentamente demais vai parecer esnobismo e arrogância. E você está longe disso. Isso causa o mesmo efeito, independentemente, de novo, da possibilidade de seu livro ser mesmo uma bosta. Não ria alto. Repito: não interrompa seu interlocutor. Jamais! Caso ele provoque você a externar uma opinião espinhosa ou incômoda (Para você, claro, essa gente está cagando e andando para o que você pensa. Geralmente eles pensam em criar saias justas para gozar com seu incômodo!). Use, com certa generosidade, as mesóclises. Os que têm mais de 40 anos vão gostar e comentar sobre a valorização da língua. Os que saíram das “universidades” nos últimos 20/30 não vão fazer ideia do que se trata. Você ainda corre o risco de ser hiper/super/mega valorizado por essa “geração” (Isso mesmo, a do merthiolate que não arde, da Nutella, da que sofre da síndrome da paúra do não.) O sorriso “inteligente” ou a gargalhada canalha da plateia é que interessam. Num e noutro caso, a fila dos autógrafos tende a aumentar sensivelmente. Nesta hora, não economize sorrisos. Cumprimente todo mundo. Além de ser de bom tom – afinal você é uma pessoa educada – faz com que o pedinte se sinta valorizado (“Ele sorriu pra mim, tirou uma foto comigo, me cumprimentou!”). Você fica bem na fita. Esses são apenas alguns conselhos. Os mais básicos, eu diria. Há outros vários, de matizes diversos. Depende da situação do local onde você vai falar, da plateia. A ocasião do evento também é importante. Se você vai ganhar pro labore ou não (Universidades públicas, praticamente todas, já não sabem mais o que é isso). Para lançamento de livro, é bom pensar num coquetel, “diplomático” (Noutra ocasião eu explico isso). É isso.

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